Resistência de parte dos profissionais de saúde ao consumo do produto por adultos e alguns mitos populares fazem com que muitas pessoas o retirem da dieta
Silvia Pacheco - Estado de Minas
Publicação: 19/10/2010 18:08 Atualização: 19/10/2010 18:32
Frases como “Os humanos são os únicos seres que bebem leite de outras espécies” ou “O homem não precisa de leite na sua dieta” são muito comuns em rodas entre amigos, no trabalho, na academia ou em casa. Na maioria das vezes, elas acabam sendo vistas como verdade absoluta e em alguns casos fazem com que as pessoas fujam do leite e de seus derivados a todo custo. Mas será que existe alguma explicação científica para ser usada como base para essas afirmações? De onde e por quê surgiram esses mitos? Inspiradas por essas questões — e muitas outras que tornam o leite um dos alimentos mais polêmicos da última década — a nutricionista Adriane Elisabete Costa Antunes, da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade de Campinas (Unicamp), e a bioquímica Maria Teresa Bertoldo Pacheco, do Centro de Alimentos e Nutrição do Instituto de Tecnologia de Alimentos de São Paulo, resgataram evidências científicas que permitiram diferenciar fatos dos mitos envolvendo o consumo de leite na fase adulta.
De acordo com as pesquisadoras, o consumidor, ao se defrontar com problemas e benefícios associados à ingestão do leite, sente-se sem rumo e em geral não encontra orientação consensual entre os profissionais de saúde. Além disso, um número crescente de médicos e nutricionistas se coloca em uma posição ferrenha contra o consumo da bebida e, muitas vezes, acabam cortando-a da alimentação sem levar em consideração a condição do paciente — se é ou não alérgico ou intolerante ao leite, por exemplo. “É um erro ser radical dessa forma”, afirma Maria Teresa Bertoldo, Ph.D. em bioquímica.
De fato, existe um número grande de pessoas que têm alguma restrição ao leite e aos seus derivados. No Brasil, cerca de 25% da população tem intolerância à lactose. “Mas, de uma maneira geral, para a população saudável, o leite só contribui com benefícios. Antes de retirar o produto da alimentação, o indivíduo deve ser avaliado para saber sua condição real”, enfatiza a cientista.
Diante de algo tão polêmico, as pesquisadoras organizaram uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais das áreas de nutrição, biologia, medicina, engenharia de alimentos, química, bioquímica, zootecnia, farmácia e economia. Do trabalho, resultou o livro Leite para adultos: mitos e fatos frente à ciência. Segundo a nutricionista da Unicamp Adriane Elisabete, a equipe procurou argumentos favoráveis e contrários ao consumo de leite por adultos e os examinou com base em fundamentações científicas. “Nosso objetivo é fazer com que a pessoa tenha argumentos para decidir se retira ou não o leite da sua dieta”, ressalta.
Por outro lado, Bertoldo acha que o livro pode ajudar os profissionais de saúde a esclarecer dúvidas sobre o tema. “O livro é baseado em mais de 50 artigos científicos, escritos por pesquisadores considerados os melhores em sua área, e divulgados nas publicações mais importantes do meio. Com isso, não há nenhum achismo no trabalho, está tudo comprovado”, esclarece a bioquímica.
Conclusões
Entre os mitos analisados no livro, e que para muitos se transformaram em uma verdade absoluta, está a afirmação de que o homem não necessita do leite na sua dieta. Maria Teresa Bertoldi lembra que a grande fonte de cálcio é justamente o leite e seus derivados. Três copos, do tipo americano, de leite diariamente são suficientes para atender cerca de 75% das recomendações nutricionais do organismo. Segundo a pesquisadora, a absorção do cálcio conduzida pelo leite é maior do que a obtida com qualquer outro alimento, principalmente na comparação com proteínas de origem vegetal. “Mesmo que se enriqueça, por exemplo, o leite de soja com cálcio, sua absorção não é igual à do leite de origem animal.”
Entre os mitos analisados no livro, e que para muitos se transformaram em uma verdade absoluta, está a afirmação de que o homem não necessita do leite na sua dieta. Maria Teresa Bertoldi lembra que a grande fonte de cálcio é justamente o leite e seus derivados. Três copos, do tipo americano, de leite diariamente são suficientes para atender cerca de 75% das recomendações nutricionais do organismo. Segundo a pesquisadora, a absorção do cálcio conduzida pelo leite é maior do que a obtida com qualquer outro alimento, principalmente na comparação com proteínas de origem vegetal. “Mesmo que se enriqueça, por exemplo, o leite de soja com cálcio, sua absorção não é igual à do leite de origem animal.”
Isso explica também a necessidade de a mulher beber leite de origem animal enquanto amamenta. Sem repor o cálcio oferecido ao bebê por meio do leite materno, o organismo feminino acaba retirando a substância do próprio corpo. “A falta do mineral pode ocasionar e agravar problemas como a osteoporose, a osteopenia e a osteomalase. Além disso, 45% das lactantes intolerantes à lactose perdem a sua intolerância durante o período de gravidez e de lactação”, esclarece Maria Teresa.
Por outro lado, os vegetais também têm um teor alto de cálcio. A biodisponibilidade dele nas folhas, porém, é pequena, se comparada à do leite. Além disso, existem alguns fatores antinutricionais que dificultam sua absorção, fazendo com que grande porcentagem de cálcio se perca nas fezes.
Outro mito muito comum é dizer que o homem é o único animal que continua bebendo leite na fase adulta. A nutricionista da Unicamp Adriane Elisabete rebate dizendo que os mamíferos adultos também ingerem o alimento — desde que lhes seja ofertado. “O desmame dos animais ocorre porque o leite precisa ser preservado para as novas crias”, explica a nutricionista.
Mutação genética
Beber leite após o período de lactação (amamentação) foi um hábito adquirido pela humanidade ao longo da história. O livro aponta que esse processo deve ter começado em uma época próxima ao início da domesticação e da criação de animais. O consumo da bebida ocasionou uma mutação genética nas populações, favorecendo o desenvolvimento da lactase, uma enzima essencial para digerir o leite. Prova de que essa adaptação é recente, em termos históricos, é o alto índice de intolerância à lactose (o açúcar do leite) nas populações. Segundo Adriana Elisabete, em partes da Africa, da Ásia e do Oriente Médio essa intolerância chega a 80%. Já no norte europeu, na Austrália e na Nova Zelândia esse percentual cai para 6%.
Beber leite após o período de lactação (amamentação) foi um hábito adquirido pela humanidade ao longo da história. O livro aponta que esse processo deve ter começado em uma época próxima ao início da domesticação e da criação de animais. O consumo da bebida ocasionou uma mutação genética nas populações, favorecendo o desenvolvimento da lactase, uma enzima essencial para digerir o leite. Prova de que essa adaptação é recente, em termos históricos, é o alto índice de intolerância à lactose (o açúcar do leite) nas populações. Segundo Adriana Elisabete, em partes da Africa, da Ásia e do Oriente Médio essa intolerância chega a 80%. Já no norte europeu, na Austrália e na Nova Zelândia esse percentual cai para 6%.
De acordo com as pesquisadoras, é fato que a maioria da população enfrenta dificuldade para digerir a lactase, mas é mito dizer que um adulto não possa digerir a substância. O alto índice de intolerância faz com que algumas pessoas tenham sintomas ao ingerir o leite, em níveis de gravidade que variam de acordo com cada organismo. “Mas isso não quer dizer que o leite deva ser evitado. Há opções de produtos sem lactose no mercado, por exemplo”, diz Maria Teresa Bertoldo. “As pessoas não podem esquecer de que o leite e seus derivados constituem importantes fontes de minerais, de vitaminas e de proteínas de alto valor biológico. O produto contém nutrientes capazes de modular funções fisiológicas específicas, o que o torna fonte de ingredientes funcionais promotores da imunomodulação — estimulação do sistema imune”, informa a bioquímica.
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