domingo, 24 de outubro de 2010

Superstições são fruto de padrões cerebrais

Psicólogo britânico lança livro no qual busca explicar por que as pessoas crêem em conceitos como sorte e intuição, mesmo que eles não tenham nenhuma explicação lógica

 




Nem o mais cético dos seres humanos escapou de, um dia, bater na madeira para "isolar" o azar. Independentemente de superstição ou crença religiosa, todo mundo acredita — ou já acreditou — em conceitos subjetivos como sorte, intuição, alma ou energia negativa. Bruce Hood também acreditava. Na década de 1970, quando era criança, via pela televisão paranormais, como Uri Geller, fazerem coisas incríveis, como entortar colheres apenas com um suposto poder da mente. A curiosidade foi tanta que o canadense escolheu a psicologia como área de estudo. Nos bancos acadêmicos, descobriu que para tudo há uma explicação — inclusive para o fato de as pessoas acreditarem no inacreditável.

Hoje diretor do Centro de Desenvolvimento Cognitivo da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e professor de psicologia experimental, Hood estuda há mais de 20 anos os estágios de evolução da mente, pesquisa que inicialmente tinha as crianças como foco. O cientista percebeu que a maneira como os pequenos criam suas próprias teorias sobre o mundo, a partir de fatos que vivenciam ou observam, influencia, no futuro, as crenças adultas. Da experiência, surgiu o livro Supersentido — porque acreditamos no inacreditável, que acaba de ser lançado no Brasil pela Editora Novo Conceito.

Muito bem recebido no meio acadêmico, com direito a elogios da revista Science e da Universidade de Harvard, o livro foi, contudo, escrito para leigos. Sem a complicada linguagem dos cientistas, Bruce Hood desenvolve a tese de que a mente humana foi projetada para acreditar em padrões, entidades e forças sobrenaturais. Essa crença independe de formação religiosa e nasce com cada indivíduo, como por intuição, e é chamada pelo psicólogo de supersentido.

Acreditar no improvável também não é uma questão de ignorância, lembra o autor. O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, por exemplo, usava o mesmo par de sapatos quando era sabatinado pelo parlamento. O presidente americano Barack Obama, durante a campanha política, achava que jogar uma partida de basquete em dias de eleição o ajudaria a chegar à Casa Branca. Pessoas cultas e com educação formal acreditam em poderes — sejam eles a sorte ou Deus — que não podem ser comprovados pela ciência. Essa, aliás, é a própria essência da fé: acreditar no improvável.

Nas últimas semanas, com o resgate histórico dos 33 mineiros chilenos que ficaram mais de dois meses soterrados sob a jazida de San José, o poder do misticismo ganhou novamente os jornais. Tanto o presidente Sebástian Piñera quanto as vítimas atribuíram o sucesso da operação ao sobrenatural. Um dos engenheiros envolvido no trabalho chegou a dizer que o resgate desafiou todas as leis naturais e que, durante os esforços, passou por situações "estranhas".

Coisa por trás

Acostumada a pensar em padrões, a mente procura criá-los quando não encontra nenhum. Se 33 pessoas levam 33 horas para serem resgatadas em uma data que, somada, dá 33, então tem de existir alguma “coisa por trás”. “O problema do design mental (a tendência da mente em organizar padrões) é que não conseguimos perceber os eventos que pensamos ser muito incomuns como fatos, na verdade, mais comuns do que imaginávamos”, alerta Hood.

Segundo ele, o cérebro humano evoluiu para racionalizar o mundo, organizando os acontecimentos em padrões. “E não conseguimos parar de fazer isso. É por isso que vemos padrões em qualquer lugar. Parece impossível, mas, na verdade, as coincidências não são exceção, são a regra. Acho que precisamos de milagres para que o mundo tenha sentido, e isso nos dá esperança de que as coisas melhorem. Não é coincidência que a maior parte dos supersticiosos ou religiosos são aquelas pessoas mais sofridas — é uma forma de tentar deixar as coisas sob seu controle”, diz.

De acordo com Hood, as crenças são reais, à medida que o processo bioquímico que se passa no cérebro quando uma pessoa é confrontada com um fato é o mesmo, seja esse evento verdadeiro ou imaginário. Por isso, se a mente de um indivíduo acredita ter visto um fantasma, não adianta tentar convencê-lo do contrário. O cérebro já registrou a cena, da mesma maneira que registra a imagem de um cachorro de carne e osso, por exemplo. A intuição é o assunto da atual pesquisa de Hood, financiada pela Bial Foundation, de Portugal. Agora, o cientista quer investigar, com ressonâncias magnéticas, a mente de adultos que tendem a desenvolver relações afetivas com objetos.

 (Arquivo Pessoal - Bruce Hood)
Entrevista


Bruce Hood, professor de psicologia experimental na Universidade de Bristol

O senhor acha que as pessoas podem ficar um pouco chateadas ao ouvir que suas crenças podem ser explicadas por mecanismos do cérebro?


“Nossas crenças são algo que tomamos como muito importante. Ninguém gosta que digam que suas crenças possam estar erradas ou que foram geradas pela forma como nosso cérebro trabalha. Isso é especialmente verdadeiro para crenças sobrenaturais, incluindo a religião. As religiões são fundamentadas na fé, mesmo que não exista qualquer prova. Além disso, as crenças religiosas são sagradas — elas não devem ser violadas ou questionadas. No livro, tento expor argumentos seculares para as crenças sobrenaturais, que são comuns até entre ateus. Por exemplo, como podemos questionar a força das orações dos chilenos quando os mineiros foram salvos? Isso parece muita falta de respeito. Mas eu diria que foi a ciência e a tecnologia que os salvaram, e não as orações.

É muito popular no Brasil a frase de Miguel de Cervantes: “Não acredito nas bruxas, mas que elas existem, existem”. O senhor acha que, mesmo com explicações científicas, as pessoas continuarão a acreditar que elas existem?
Acho que a crença é algo muito poderoso. Por exemplo, a crença na oração, na homeopatia, na sorte ou outras coisas positivas podem funcionar, porque influenciam o estado de espírito da pessoa que acredita. Então, a crença pode funcionar, mas não por meio de um poder sobrenatural. Além disso, à medida que essas coisas afetam o cérebro, as crenças são reais. Todo conhecimento no cérebro é gerado e armazenado como atividade elétrica entre os neurônios. Esses padrões de atividade são gerados tanto quanto há eventos reais quanto imaginários. O cérebro não sabe diferenciar entre o real e o imaginário, e não há ninguém ao lado do seu cérebro para fazer essa decisão. Esse é o tópico do meu próximo livro. 
 
Paloma Oliveto - Correio Braziliense
Publicação: 24/10/2010 10:34 Atualização: 24/10/2010 13:24

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